Este blogue termina aqui.
Termina principalmente por uma questão de privacidade. Quando acaba a privacidade acaba também um pouco da liberdade e eu gosto de escrever sem me privar de nada. Pensar se as pessoas a ou b podem ou não interpretar mal as minhas palavras e hesitar, cuidar em omitir detalhes que possam expor demasiado de mim ou de outros, publicar apenas uma pequena parte do que escrevo porque me sinto presa a condicionantes… não é para mim.
Sim, digo o que penso e às vezes cansa ser criticada por isso. As pessoas que me conhecem e cá vêm ler-me sabem o que penso delas. Mas algumas, por vezes, pensam conhecer-me melhor pelo que escrevo. Se lêem um post mais sofrido correm a perguntar o que se passa, se lêem palavras ensolaradas acham que tenho novidades por contar… Às vezes publico textos extemporâneos, às vezes não. Às vezes são auto-retratos, outras vezes não, e outras até são ficção. Este blogue nunca foi um diário nem um espelho de mim. Do mesmo modo, quem só conhece o que escrevo também não pode presumir que me conhece realmente, ainda que a imagem que possa ter de mim seja muito fiel à real. E depois ainda há os outros, que sendo muito próximos e que sabendo que este é o meu depositário de pensamentos, emoções e lamentos, passam ao lado e nem por curiosidade espreitam. E isso também magoa um pouco, porque desvaloriza a mensagem. Quase como quando se oferece um presente a alguém e se descobre meses depois que o presente nem chegou a sair da caixa, ou ficou esquecido na bagageira do carro. Não sei explicar melhor, mas faz-me sentir transparente, pouco importante…
Continuarei a escrever, claro, é uma necessidade minha e algo de que gosto com paixão. E continuarei a blogar, mas noutro sítio. Alguns irão lá ter, por acaso ou por instinto, outros não. A todos agradeço as partilhas, empatias e companhias, mais ou menos silenciosas.
Até qualquer dia!
e às vezes não quero entender.
Esta idade que tenho, não a sinto. Não se me impõe, não me limita nem me pesa. Não é muita, nem é pouca e não me importa. Quase sempre sinto que sinto como quando era adolescente. Tudo em demasia, tudo muito intenso, muito forte, porque é tudo muito verdade e não gosto de rodeios. Não sei se pareço muito menos, mas sei que quando olho para trás vejo muitas coisas, muitos dias bem vividos, não lamento nada do que fiz. E quando olho para a frente vejo muito mais, porque me parece que comecei ainda agora, que o universo é imenso e está sequioso de esperar que o encontre. E vou partindo, ao seu encontro, ora pelas latitudes fora, ora por mim dentro. O saco das memórias é desarrumado, já se sabe, sem a ordem que se gostava de encontrar quando se desenrolam novelos. Não perdi nada do que tinha aos 15 anos, parece-me que só ganhei. Sendo sempre a mesma, mudei. Mas não mudei muito. Hoje consigo disfarçar melhor a timidez e de vez em quando já me vejo mulher, mas continuo a ser mais miúda. Continuo a gostar das mesmas coisas, não troquei os ténis por sapatos de salto, continuo a gostar muito de rir com a alma toda. Mas foi só com esta idade que reparei que já sofri como gente grande, e a seguir descobri que queria ter o mundo todo nas mãos e que as dores (mesmo as físicas) são irrelevantes. Foi com esta idade que tomei decisões adiadas e que arrisquei. Foi com esta idade que passei a viver sozinha e a ter tempo para desfrutar da minha companhia. Foi com esta idade que abri os olhos e vi com clareza o que pretendo para mim. Foi com esta idade, mais dia menos dia, que fiz uma directa da discoteca para o trabalho. Foi com esta idade que descobri que o Amor acontece, não se faz. Foi com esta idade que afirmei sem pudores as minhas prioridades e que comecei a colocá-las por ordem na minha vida. Com esta idade saltei de pára-quedas, escrevi mais e melhor do que nas outras idades todas somadas, com esta idade fui seduzida. E foi só com esta idade que aprendi a chorar, a não trancar tudo num cinzento nó na garganta, e parece-me que ando a compensar os anos em que não derramava uma lágrima. Com esta idade percebi que a ideia da solidão até ao fim é assustadora, mas que não troco a minha solidão por companhias ocas e superficiais. Foi só com esta idade que me vi adormecer nos braços de quem amo desde sempre e, por um instante, antes de ceder ao sono, achei que a vida era perfeita.
Esse sinal de interdição é para manter as distâncias? É para sublinhar quão inalcançável és (ou pretendes ser)?
Que sabes tu de mim ou da minha vida? Perdes tempo… Perdes-te em suposições, focas e desfocas as lentes das proximidades consoante o que queres retirar, sempre; nunca consoante o que queiras dar, porque não dás nada, só poeira. Não te iludas, eu não sou manipulável como os restantes. Quando chegas, já sei o que trazes nos bolsos. Não te fica bem dissimular, fingir que não trazes nada. Nem sequer tens muito jeito para disfarçar. Pensas que tens as respostas, contudo ostentas as perguntas, como que a fazer um teste de 9º ano. Não gosto de testes nem de jogos. Não me apetece dar ao trabalho de perceber o teu. Diz o que queres, se é que queres. Se não, desampara(-me, -nos) a loja. Os súbitos interesses, pausados em compassos ansiosos por revelações que não o são. Não gosto dessas artimanhas, gosto que as pessoas sejam directas e façam as perguntas que têm de forma objectiva.
Suspeito que de mim não queiras mais do que apaziguar a ordem do pódio. Relaxa, nunca gostei de medalhas, muito menos de protagonismos. Tenho aqui tudo o que preciso. Dispenso alimentar-me de bajulações a identidades imaginárias. O que tenho, é meu. Tenho-o guardado no peito, não preciso expor na vitrina para que todos vejam como é grande e belo e cheio de sacrifícios. O que tenho, pouco ou nada, é meu por inteiro, só meu, é verdadeiro e não sucumbe aos frívolos atentados. Não digo que me queiras mal. Só digo que já não acredito numa só versão da mesma estória. Ainda te quero bem. Mesmo conhecendo mais de ti e percebendo esses ardis.
A necessidade de atenção pode ser doentia. Compra muitos espelhos, ver-te-ás sempre no centro duma roda de gente fascinada por ti. Mas não me verás a mim, que eu, já te vi.
Ao longe, vozes que falavam umas com as outras, numa língua que não era a sua. Tinha receio de abrir os olhos. Não tinha a certeza se havia sido sonho, imaginação ou puro desejo. Ousou ensaiar uma espreguiçadela, sentiu os braços dele a envolvê-la. Os pés fizeram-lhe uma festa, as pernas engalfinhadas sorriam. Ele apertou-a e deu-lhe um beijo pequenino, muito rápido, na face. Ela abriu os olhos e inquiriu, sem dizer nada. Ele também não sabia responder melhor. Era assim, ali estavam, isolados, juntos e cheios de hesitantes hipóteses. Esgueirou-se depressa, pés no chão e soltou um nervoso assobio bem-disposto. Ela gostou. Sentiu-se cheia de confiança, pareceu-lhe que a vida acabara de começar, e da melhor maneira. Ensinou-o a dar-lhe os bons dias, com um beijo de confirmação. Tudo era perfeito, o cheiro de sabonete na pele, a música, a distância dos passados que já não importavam. Não tinha sido um engano, sequer a embriaguez duma nova realidade com paredes pintadas a lápis-de-cor. O sentimento, recente sem ser imprevisto, instalara-se como um estandarte.
A vida acabara de começar.
Is it such a hard choice? I wish you could just smile instead of hurt; hope instead of regret.
Já tinha dito que o 7 é o meu número e as coisas mais importantes calham sempre a acontecer nestes dias. Continuo a gostar do 29. 9-2=7. Ou 2-9=-7. Antíteses.
Fez um ano. Tudo mudou, várias vezes. E desse dia por 7 anos? Onde estaremos, quão diferentes?
Muito mais que um seis no totoloto (já dizia o Sérgio Godinho, com um brilhozinho nos olhos), é um 7 no euromilhões (5 + 2 estrelas). Qual será a probabilidade de me sair essa grande sorte, não a do jogo, a outra? (Pouco) maior que nula, é certo.
ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer – vai por esse campo
de crateras extintas – vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo – deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração – ouve-me
que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna – o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite
não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira – não esqueças o ouro
o marfim – os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço
Que trabalho exasperado, o da língua,
essa em que dizes com mão insegura
desvios, desacertos, desalinhos.
Quem me conhece um pouquinho já terá percebido que não sou poupada nas palavras. Tenho a feliz coincidência de viver com os pensamentos soltos entre o cérebro e a laringe. Sem rédeas nem cintos nem travões, escorregam massa cinzenta abaixo. Se calha serem em número, arrepiam caminho mesmo que não tenha vontade de soltá-los. (Deve ser por causa da gestão de tráfego, quando há engarrafamento os sacanas desviam caminho pelo atalho mais próximo.) Isto significa que mesmo quando durmo, a boca abre-se e as palavras, os risos e suspiros, todos vão escorrendo sonos e sonhos fora.
Não padeço de grandes males que afectem o discurso, nem tenho já a grande timidez verbal que durou até ao fim da adolescência. Talvez porque o mundo se tenha tornado maior e mais ruidoso, algures pelo caminho devo ter percebido que, se não fizer escutar a minha voz, ninguém a poderá detectar por magia, telepatia, ecos no silêncio, ou o que lhe quiser chamar. E tenho conhecimento de mim própria o bastante para saber que, se explorar bem as palavras, mais as escritas que as faladas, sei ser suave e diplomata, sei ser assertiva e ríspida, sei ser poética quando os humores colaboram, sei ser concisa e restringir-me a linguagem límpida e técnica. Infelizmente, para mim e para os que me rodeiam, a impulsividade cresceu-me tão à flor da pele quanto a verbalidade. Isto traduz-se em reacções a quente, muitas vezes desproporcionadas e, concedo, exageradas. Se a situação me traz os sangues à ebulição, aumenta o ritmo cardíaco, vasoconstrição, os pensamentos são mais ágeis no sprint, sinapse acima, sinapse abaixo, o espaço mais e mais apertado e “sem estômago” para os fermentar, são disparados à velocidade da luz. Chegam a atropelar-se, atabalhoados na língua, que não consegue ser tão lesta. E assim, seja onde for, não há vultos que intimidem, venha quem vier, a (minha) verdade sai em socorro dos “pobres, oprimidos e injustiçados”. Manifesta-se amiúde também o advogado do Diabo, sempre disposto a defender o indefensável, com os mesmos pesos e as mesmas medidas.
Tudo isto para constatar e advertir, advertindo a constatação, que por mais que saiba que devia ter tento na língua, pensar bem e limar arestas antes de libertar discursos com os punhos a bater no ar ou nas mesas, não o consigo ter. Ou talvez não tenha grande interesse nisso e me permita esta indulgência com até algum prazer. Acérrima defensora da Verdade, sempre, para todos, creio que o seu potencial de deferir golpes tem a benesse de não ser passível de repetição. Ao passo que as mentiras e meias verdades se somam, se multiplicam, se prolongam, se obscurecem cumulativamente, a Verdade quando é encontrada não tem marcha à ré. Dói, ou pode doer, como um punhal enterrado por entre vísceras e costelas. E pode infectar, dar febres difíceis de curar. Mas cria-se uma imunidade. Outras verdades podem doer, outros males podem estilhaçar. Mas aquela verdade descoberta, nua, encandeia no momento, mas aos poucos aprende-se a viver com ela, a Ver. E jamais tornará a doer.
Para a miúda, que escreve excepcionalmente bem e em cujas palavras vou encontrando sentires irmãos, paridos em silêncios que ardem como brasas quentes, levedados com um mesmo fermento chamado paixão.
YOU ARE WELCOME TO ELSINOREEntre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mão e as paredes de Elsinore
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
PARADA
Com um grande termómetro no chapéu
e um certo ar marcial equidistante
todos saíram hoje das suas casas na duna
para a rua a soprar o vento que vem de longe
a certeza que há-de vir de longe
Os prisioneiros polícias dos polícias prisioneiros
nas montras nos passeios por baixo dos bancos
passam os pontos escuros para o outro lado
sem esquecer o espelho
sem esquecer o aranhiço meticulosamente pequenino
para fazer a surpresa
sem esquecer a borboleta tonta que sobe no horizonte
da cor do sol
o pescoço da nossa felicidade
Mário Cesariny, in ‘burlescas, teóricas e sentimentais’, p. 124, colecção forma nº 7, Editorial Presença, Lisboa, 1972 (Antologia, tendo origem o poema na obra ‘Pena Capital‘, 1957).
sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra uma pedra
configurada um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra [...]
Mário Cesariny, Autografia, Assírio & Alvim
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