Quem me conhece um pouquinho já terá percebido que não sou poupada nas palavras. Tenho a feliz coincidência de viver com os pensamentos soltos entre o cérebro e a laringe. Sem rédeas nem cintos nem travões, escorregam massa cinzenta abaixo. Se calha serem em número, arrepiam caminho mesmo que não tenha vontade de soltá-los. (Deve ser por causa da gestão de tráfego, quando há engarrafamento os sacanas desviam caminho pelo atalho mais próximo.) Isto significa que mesmo quando durmo, a boca abre-se e as palavras, os risos e suspiros, todos vão escorrendo sonos e sonhos fora.
Não padeço de grandes males que afectem o discurso, nem tenho já a grande timidez verbal que durou até ao fim da adolescência. Talvez porque o mundo se tenha tornado maior e mais ruidoso, algures pelo caminho devo ter percebido que, se não fizer escutar a minha voz, ninguém a poderá detectar por magia, telepatia, ecos no silêncio, ou o que lhe quiser chamar. E tenho conhecimento de mim própria o bastante para saber que, se explorar bem as palavras, mais as escritas que as faladas, sei ser suave e diplomata, sei ser assertiva e ríspida, sei ser poética quando os humores colaboram, sei ser concisa e restringir-me a linguagem límpida e técnica. Infelizmente, para mim e para os que me rodeiam, a impulsividade cresceu-me tão à flor da pele quanto a verbalidade. Isto traduz-se em reacções a quente, muitas vezes desproporcionadas e, concedo, exageradas. Se a situação me traz os sangues à ebulição, aumenta o ritmo cardíaco, vasoconstrição, os pensamentos são mais ágeis no sprint, sinapse acima, sinapse abaixo, o espaço mais e mais apertado e “sem estômago” para os fermentar, são disparados à velocidade da luz. Chegam a atropelar-se, atabalhoados na língua, que não consegue ser tão lesta. E assim, seja onde for, não há vultos que intimidem, venha quem vier, a (minha) verdade sai em socorro dos “pobres, oprimidos e injustiçados”. Manifesta-se amiúde também o advogado do Diabo, sempre disposto a defender o indefensável, com os mesmos pesos e as mesmas medidas.
Tudo isto para constatar e advertir, advertindo a constatação, que por mais que saiba que devia ter tento na língua, pensar bem e limar arestas antes de libertar discursos com os punhos a bater no ar ou nas mesas, não o consigo ter. Ou talvez não tenha grande interesse nisso e me permita esta indulgência com até algum prazer. Acérrima defensora da Verdade, sempre, para todos, creio que o seu potencial de deferir golpes tem a benesse de não ser passível de repetição. Ao passo que as mentiras e meias verdades se somam, se multiplicam, se prolongam, se obscurecem cumulativamente, a Verdade quando é encontrada não tem marcha à ré. Dói, ou pode doer, como um punhal enterrado por entre vísceras e costelas. E pode infectar, dar febres difíceis de curar. Mas cria-se uma imunidade. Outras verdades podem doer, outros males podem estilhaçar. Mas aquela verdade descoberta, nua, encandeia no momento, mas aos poucos aprende-se a viver com ela, a Ver. E jamais tornará a doer.
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